Nova encrenca para o Direito Autoral. Quem é o autor da obra criada por IA? A pessoa? A máquina? O programador?
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Almajur/Freepik-IA,2025 |
Líliam Raña
Imagine um robô artista pintando quadros, compondo músicas ou escrevendo livros... Isso mesmo. Eu escrevi algumas palavras e a imagem apareceu na minha frente, com a ajuda da IA, claro. Mas será que agora você sabe o que imaginei para este texto? Em seguida, surge a confusão na hora de atribuir os créditos: de quem é a imagem acima? Do robô? De quem o operou? Do criador do robô? A imagem é minha? Da Freepik?
A tecnologia avança mais rápido que a legislação, e mais uma vez estamos tentando correr atrás do prejuízo. Não há nada de errado nessa corrida; às vezes, penso que, se o Direito fosse uma entidade real, diria: "decidam como deve ser e convivam de forma harmônica com isso!" Mas ninguém se entende.
No Brasil, a resposta para esse desencontro continua sendo a Lei 9.610/1998, que regula os direitos autorais. Segundo ela, apenas pessoas físicas podem ser consideradas autoras. Em outras palavras: se não tem CPF, não tem autoria! Como explicam pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe, a inteligência artificial (IA) representa hoje um enorme desafio, porque nossas leis ainda não sabem ao certo o que fazer com as obras que ela cria. É do autor? Sim! A IA não é um banco de dados do mundo todo? Sim! E agora?
O Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, que acaba de sair do Senado Federal e seguiu para a Câmara, promete esclarecer um pouco mais essa questão. A proposta traz diretrizes para o desenvolvimento e uso responsável da IA no Brasil, com foco na proteção dos direitos fundamentais e da dignidade humana. No entanto, quando o assunto é definir quem é o autor das criações da IA, o texto ainda falha em ser claro e objetivo, escorregando no entendimento dessa inovação tecnológica.
A mineração ou pesquisa de dados feita pela IA também exige atenção. Segundo o projeto, essa coleta pode ocorrer de forma mais aberta em ambientes acadêmicos e museológicos, mas não há qualquer menção à autoria dos conteúdos gerados. Ou seja: se um robô escrever um livro excelente amanhã, ainda ficamos sem saber quem deve receber os direitos autorais — ou responder em caso de desinformação ou plágio.
No jornalismo, é claro que o editor responsável responde por aquilo que publica — e também colhe os aplausos. Mas igualar esse profissional preparado ao usuário comum é uma armadilha perigosa. Essa lacuna gera uma enorme insegurança jurídica. Já pensou em investir em uma música criada por IA e depois descobrir que ninguém sabe se ela está protegida? É sua? É da IA? De ninguém? O mercado cultural, já abalado pela revolução digital, torna-se ainda mais frágil. Vale lembrar que a popularização da internet, a partir dos anos 1990, mudou toda a forma como lidamos com a informação.
Crias e criaturas
Segundo casos recentes, nem o Brasil, nem potências como EUA e União Europeia conseguiram resolver esse dilema. O debate ainda está em aberto. Países como o Reino Unido e a China até permitem o registro de obras feitas com ajuda de IA, mas a autoria é atribuída a quem programou ou utilizou a máquina — nunca à máquina em si.
Nos EUA, o Escritório de Direitos Autorais destaca que, se não houver envolvimento criativo humano, não há direito autoral. A IA pode ser poderosa e produzir maravilhas, mas ainda não tem sentimentos nem intenção criativa — atributos exigidos para a proteção da autoria segundo a Convenção de Berna, da qual o Brasil é signatário.
As decisões judiciais sobre o tema ainda são tímidas, mas um caso na China chamou atenção: um artigo gerado por IA (Tencent Dreamwriter) foi considerado protegido por direitos autorais. A empresa Shanghai Yingxun copiou e publicou o artigo sem autorização, sendo condenada por violação. O tribunal entendeu que o conteúdo, embora produzido por IA, foi resultado de investimento humano na programação e aplicação do sistema. Assim, foi tratado como uma obra tradicional — uma exceção no cenário internacional.
Aqui e lá
Se o PL 2.338/2023 for aprovado como está, o Brasil ainda precisará esclarecer melhor como fica a autoria de obras feitas com IA. Criadores, consumidores e o próprio país — que vê sua economia criativa travada — precisam de regras claras sobre quem cria e quem leva o crédito. Nesse ponto, o sistema de avaliação de riscos e de intervenção humana, mencionado brevemente no PL, pode ser uma boa ferramenta para dimensionar o processo criativo com IA.
É importante entender que não precisamos pintar apenas com as mãos — podemos usar pincéis de alta tecnologia. Também não nos comunicamos mais por sinais de fumaça, certo? A tecnologia sempre esteve presente em nossas vidas. Usamos nossas criações para o bem ou para o mal, mas usamos porque podemos progredir com elas. Somos nós os responsáveis pela beleza — ou pelas besteiras — que criamos.
Não basta apenas criar leis modernas ou desenvolver novas tecnologias: é fundamental que as pessoas saibam como utilizá-las. A falta de conhecimento jurídico é hoje um dos maiores obstáculos à inovação segura. Mais do que nunca, precisamos de educação jurídica acessível, debates públicos e regulações alinhadas com a realidade tecnológica. Como disse um sábio inventor: “não é a máquina que vai nos superar... é a nossa própria falta de preparo”.